

A medicina moderna contra o HIV se baseia em uma mutação genética comum. Agora, pesquisadores rastrearam onde e quando essa mutação surgiu — e como ela ajudou nossos ancestrais a sobreviver a doenças antigas.
O que têm em comum um ser humano que viveu há milênios na região do Mar Negro e a medicina atual contra o HIV?
A resposta: muito mais do que se imaginava, segundo uma nova pesquisa da Universidade de Copenhague.
Cerca de 18 a 25% da população dinamarquesa carrega uma mutação genética que pode torná-la resistente — ou até imune — ao HIV. Esse conhecimento tem sido fundamental para o desenvolvimento de tratamentos modernos contra o vírus.
Até recentemente, não se sabia onde, quando ou por que essa mutação havia surgido. Mas, com o uso de tecnologias avançadas de DNA, os cientistas conseguiram resolver esse mistério genético.
“Descobrimos que a mutação surgiu em um único indivíduo que viveu em uma área próxima ao Mar Negro entre 6.700 e 9.000 anos atrás”, afirma o professor Simon Rasmussen, do Centro de Pesquisa Metabólica Básica da Fundação Novo Nordisk (CBMR), da Universidade de Copenhague, autor correspondente do novo estudo que mapeia a mutação.
Ele complementa:
“O HIV é uma doença relativamente recente — tem menos de 100 anos — então é quase um acaso, e ao mesmo tempo fascinante, que uma variação genética surgida há milhares de anos também ofereça proteção contra um vírus moderno como o HIV.”
Mais de 900 Esqueletos Analisados
Para determinar a origem da mutação, os pesquisadores começaram analisando o material genético de 2.000 pessoas vivas ao redor do mundo. Em seguida, desenvolveram um novo método com inteligência artificial para identificar a mutação em DNA antigo extraído de ossos.
Foram examinados dados genéticos de mais de 900 esqueletos, datados desde o início da Idade da Pedra até a Era Viking.
“Ao analisar esse grande conjunto de dados, conseguimos determinar onde e quando a mutação surgiu. Por um período, ela está totalmente ausente, e então aparece de repente e se espalha de forma impressionantemente rápida. Combinando isso com nosso conhecimento sobre as migrações humanas da época, conseguimos apontar a região exata de origem da mutação”, explica a pesquisadora Kirstine Ravn, primeira autora do estudo e cientista sênior no CBMR.
Assim, os pesquisadores conseguiram localizar a mutação em uma pessoa da região do Mar Negro que viveu há até 9.000 anos — ancestral comum de todos os portadores atuais da mutação.
Uma Vantagem para os Antigos Humanos
Mas por que tantos dinamarqueses possuem hoje uma mutação milenar que protege contra uma doença que nem existia naquela época?
A explicação mais provável, segundo os pesquisadores, é que essa mutação trouxe vantagens evolutivas:
“As pessoas com essa mutação tinham mais chances de sobreviver, provavelmente porque ela atenuava o sistema imunológico numa época em que os seres humanos estavam sendo expostos a novos patógenos”, explica Leonardo Cobuccio, coautor do estudo e pós-doutorando no CBMR. Ele e Kirstine Ravn detalham:
“O curioso é que essa variação interfere em um gene do sistema imunológico. Isso parece algo negativo, mas provavelmente foi benéfico. Um sistema imunológico excessivamente agressivo pode ser fatal — pense em reações alérgicas ou em infecções graves, como nos casos de COVID-19, em que muitas vezes é o próprio sistema imunológico que provoca os danos fatais. Quando os humanos deixaram de ser caçadores-coletores e passaram a viver em sociedades agrícolas densas, a pressão das doenças infecciosas aumentou, e um sistema imune mais equilibrado pode ter sido uma vantagem.”
Fonte: Science Daily